[PREFÁCIO] "Le Soleil" (2020), de Lorena Silva
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PREFÁCIO
Lorena Silva tem vocação de ficcionista. Sua total entrega à
reedição de La Lune (2014) — cujo
texto revisto e ampliado inaugurou a trilogia O que não se pode esconder em 2019 — já nos revelara uma escritora devotada à palavra escrita, que a
maneja como instrumento a ser afinado em prol de uma experiência literária
imersiva.
Em Le Soleil (2020),
segundo volume da série, Lorena retoma o fôlego do livro inaugural sem deixar a
peteca cair. Reencontramos os instigantes Seraphine, Adrian e Ian no ponto em
que a autora os deixara engatilhados no soturno desfecho de La Lune, de modo que podemos rapidamente
mergulhar de cabeça no intrincado complexo de emoções e intenções que
reconduzem as vidas de cada personagem para a tão ansiada luz.
Novos personagens se unem ao trio protagonista, acrescendo
ao arco narrativo um rico material humano, cujos arquétipos psicológicos –
território de interesse da autora – são esmiuçados com muita desenvoltura a favor
do aprofundamento da narrativa. E aqui cabe exaltar o nível de profundidade que
Lorena dedica a cada personagem: todos possuem histórias pessoais bem definidas
e articuladas no espaço-tempo, que quando se cruzam não soam óbvias, pois desde
o início se apresentam despretensiosamente até que o suspense entre em
perspectiva e instigue o(a) leitor(a) a ligar os fatos. Ainda assim, as
revelações não são entregues facilmente, sequer são previsíveis, de modo que a
experiência de leitura se forja em um insaciável virar de página, até que todo
o cenário esteja posto claramente. E creia-me, o resultado é surpreendente!
Como uma boa romancista, Lorena Silva constrói conflitos
com uma perspicácia que jamais recorre ao maniqueísmo entre quem está certo ou
errado, é vilão ou foi vítima. Sábia o suficiente sobre o todo para revelar e
reter na dose certa as informações que formarão nossa opinião sobre Seraphine,
Adrian, Ian e seus outros personagens, a autora domina com rigor a forma
narrativa adotada para que conheçamos o enredo principal sob variados prismas.
Nesse sentido, as camadas de conflito a serem desveladas não faltam, sob todos
os aspectos.
Um dos pontos mais louváveis dessa construção continua
residindo na complexidade dos tipos humanos que Lorena concebe e aí não há como
fugir do mais escorregadio de todos eles: Ian. O que sentir a respeito do rapaz
obstinado que pode nos convencer do que quiser? A cada movimento do irmão de
Adrian, não se espante, leitor(a), se de repente você sentir que acabou de sair
de um loop em uma montanha-russa. Com
um impassível Ian de alva cabeleira intacta ao seu lado.
E se começo por Ian, é porque foi em sua companhia que
deixamos – alguns de nós a contragosto, diga-se de passagem – a protagonista
Seraphine em La Lune. E é, em grande
parte, em torno dele, que Le Soleil
orbita.
Neste livro, acompanhamos as mudanças separadas de
Seraphine e Ian para Green Valley. E embora ambos tenham objetivos diferentes
na cidade, demorando inclusive a restabelecerem contato e se reaproximarem, o estudante
de Psicologia se mantém detido sobre o complexo elo entre Seraphine e Adrian,
sendo ele próprio parte dessa ligação que deseja arruinar.
Desde que sua suposta amizade com a ex-dançarina do Clube La Lune se tornou ponto decisivo para
que a moça se permitisse elaborar para onde sua jornada pessoal a estava
levando, o que inclui sua inominável relação com Adrian, Ian se ocupara cada
vez mais de um plano muito específico para Seraphine. Tanto que ao baixar a
guarda por um instante fugaz, e se perguntar que tipo de vida existe para si
próprio fora do projeto de vingança, é o medo de perder o controle de suas
emoções que o devolve ao lugar confortável em que se instalara desde muito
cedo. E apesar de tudo, tanto Ian quanto Seraphine sabem que o rapaz ainda tem
muito o que resolver dentro de si sobre o irmão. Nesse ponto, a narrativa se
curva ao fascínio da autora pela mente humana, servindo-se muitíssimo bem do
universo em expansão que há dentro de cada pessoa e é terreno, não raro,
insondável.
Enquanto isso em Downville, Adrian lida com os cacos de sua
vida, estilhaçada após o doloroso acerto de contas com Ian, a morte de Lara, o
fechamento do Clube La Lune e a
partida de Seraphine “Seashell”. Estes três últimos fatos, ainda alvos de uma
investigação policial que também não deixará Adrian isolado por muito tempo.
Paralelamente e em separado, o trio tenta se reerguer de
diferentes níveis de trauma ao mesmo tempo em que precisa remexer ainda mais
nas feridas, cujas cicatrizes não fecharão enquanto as pendências emocionais de
cada um não forem novamente postas contra a parede. Juntos.
Porque a premissa da trilogia O que não se pode esconder trata da jornada de Seraphine em busca
da própria autonomia, encarar os fatos ao investigar a fundo o passado, sem
deixar de elaborar o presente, é fundamental para que haja um futuro. E é em Le Soleil que nossa heroína se aproxima
por vontade própria do que pode iluminar a verdade sobre si mesma e quem a
rodeia. E aí nem tudo será apenas tensão nesse tortuoso percurso. Além do
suspense que perpassa toda trama, haverá também memoráveis momentos de ternura,
humor, amizade, romance, coragem, alívio, beleza e uma promessa de redenção.
Uma curiosidade sobre esta edição que vale a pena destacar,
ainda, é que a narrativa segue o curso das cartas do tarô, que não por acaso, a
adorável Joanna, nova-antiga-amiga de Seraphine, joga para ela logo que se
reencontram. Mas, fiquemos por aqui, porque com mais este parágrafo já entrego
elementos demais sobre os quais pensar ao adentrar este incrível livro.
Dito
isso, esteja avisado, caro(a) leitor(a), e segure-se bem no carrinho quando
embarcar. Serão muitas voltas – com direito a subidas, descidas, alta
velocidade e uns bons loops! – pelo
imenso parque de diversões que é a extraordinária narrativa de Lorena Silva.
Talita Guimarães
Escritora e Jornalista
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