QUERIDO(A) AUTOR(A), - #01


Precisei de tempo para conseguir reunir em palavras o efeito que a leitura de Os mapas sinalizam ilhas submersas tem causado em mim.

Primeiro porque tenho relido em espiral, indo e vindo e sempre retornando para o início e empreendendo nova viagem por essa prosa poética náutica, que flutua entre terra e mar e fala tão profundamente do que habita em nós, que não raro nos sentimos à deriva, ausentes de um conforto que já se foi.

Segundo porque o poder da tua prosa poética é tanto que me colocou pensativa sobre todas as vezes em que teus versos falaram também de mim, do que se passa aqui dentro. E aí foi inevitável que meus pensamentos tomassem a forma dos teus poemas ritmados, afetivos e imagéticos. E transbordassem em notas à lápis nas bordas das folhas do livro. Eu, que nunca soube (ainda não sei se sei) fazer versos e há tempos busco uma nova linguagem para dar conta do meu tempo morto cuja substância delicadíssima não ouso trazer à tona, me vi nas últimas semanas a bordo de vários ônibus com teu livro no colo e um lápis na mão psicografando uma parte da minha vida que flutua em outro plano: o da vida que não foi, mas podia ter sido.

Foi abraçada ao teu livro, lá pela terceira leitura, que senti meu tempo morto voltar a pulsar e me dei conta de que estivera apenas adormecido, em espera, pelo que não sabe se virá ou ainda sabe que não virá, e mesmo assim ainda respira, desperto como quem cobra um espaço de repouso real na existência.

Aurora da Graça, a quem considero a maior poetisa maranhense viva, me disse certa vez que nunca escreveu sob efeito da alegria. Creio que faz total sentido. Alegria a gente entorna até a última gota enquanto vive; ciclos completos dispensam sobrevida.  Todo o resto que teima em inexistir ou se extinguir se vale da ficção para ser tudo o que lhe foi negado ser.

Então foi assim que vi nascer o lugar para o meu tempo morto repousar: a literatura. Onde toda vida, passado, presente, futuro, o nunca e o nada, ganham corpo e casa.

E entendi minha profunda conexão com teu livro: os teus mapas me ajudaram a encontrar minhas próprias ilhas submersas.

Devo estar na quinta ou sexta releitura e ainda é como ingressar em um estado particular de trânsito interior, onde ler cada verso abre caminho por dentro encontrando abrigo e companhia. Quando ergo os olhos das páginas e vejo o mundo passando pela janela, as impressões do exterior que me chegam parecem sincronizadas com os passos das caminhadas pela cidade do livro.

Dos temas todos que abordas, o equipar-se para velhice me toca profundamente. Assim como os desejos postos em palavras, as precisas e ternas descrições dos estados de espírito, as experiências de estar presente na vida cotidiana ao mesmo tempo em que lembranças, memórias e saudades se alojam no presente.

Em nenhum momento considero teu livro triste, muito pelo contrário, creio-o belíssimo, de uma existência necessária, que nos encoraja a sentir-nos humanos em todas as notas e rotas possíveis.  Uma experiência de leitura arrebatadora, que além de me colocar em contato com o autor primoroso que és, me guiou por dentro de mim. Como só os gigantes da literatura são capazes de nos conduzir.
Por tudo isso quero te agradecer pelo enorme presente que me deste com um exemplar, cuja profética dedicatória “que os mapas sinalizem sempre encontros poéticos e no cotidiano” tem se realizado a cada virar de página.

Com carinho e gratidão,


Comentários

Kleris disse…
Livros que despertam, livros que contagiam, livros que mexem e ficam na gente. Esses são os melhores. Quero muito ler o Franck (pra breve) e conhecer mais de perto essa valorosa literatura 👏👏👏

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