Por uma boa hora
“O Renascimento do Parto – o filme” entra em cartaz no Cine Praia Grande após pré-estreia em São Luís com
debate sobre parto humanizado.
Por
Talita Guimarães
“Mãe,
como foi o dia em que eu nasci?”. A pergunta inocente sobre a própria chegada
ao mundo não raro é lançada aos pais por filhos curiosos. Seguida de perto por
questionamentos como “de onde vêm os bebês?” ou “como nascem os bebês?”, abarca
um conhecimento que envolve memórias afetivas, mas também de saúde da mulher e
do bebê. Quem nunca fez perguntas como essas para os pais está perdendo uma
ótima oportunidade de saber sobre a própria chegada ao mundo e mais: sobre as
formas de chegar ao mundo e como elas impactam em vidas inteiras.
Foi
ao mostrar para a filhinha de dois anos e meio o vídeo de seu banho após o
parto, que Viviane Pires despertou para a diferença gritante entre um parto
normal e uma cesárea. Mariana, que veio ao mundo através de parto cirúrgico sem
indicação especial alguma, quis saber: “Por que a moça tá me segurando
pelo pé?”. Chocada com a observação da filha, Viviane assistiu ao vídeo
novamente com novos olhos, percebendo finalmente o quão frio pode ser um parto
tratado somente como intervenção cirúrgica.
Acompanhada
das filhas Mariana, agora com quatro anos de idade e Alice de apenas dois
meses, Viviane Pires se emocionou ao relatar suas experiências com a cirurgia
cesariana e o parto natural para uma plateia atenta durante o debate sobre parto humanizado, realizado terça-feira (18/02) no Cine Praia Grande com a
enfermeira obstetriz Mayara Pereira e a Profª Marly Dias (UFMA) na ocasião da pré-estreia do documentário "O
Renascimento do Parto" em São Luís. O evento contou com a exibição do
filme seguida de um debate sobre o parto humanizado e a realidade obstétrica
brasileira.
É
sobre histórias como a de Viviane que engrossam o índice alarmante de cesáreas
praticadas sem indicação especial no Brasil (em 2010, 52% dos partos no país
foram cesáreas, enquanto a Organização Mundial de Saúde – OMS recomenda no
máximo 15%) que “O Renascimento do Parto – o filme” (BRA, 2013, 91 min) trata,
além de esclarecer muitas dúvidas sobre nascimento, da preparação para o parto
aos tipos de parto praticados, de forma emocionante e informativa.
O
documentário de Érica de Paula e Eduardo Chauvet - em cartaz em São Luís no Cine Praia Grande, na sessão das 16h de 21/02 à 27/02/2014 – aborda a realidade obstétrica no Brasil e no mundo com
depoimentos contundentes de médicos, enfermeiras obstétricas, obstetrizes,
parteiras e doulas, além dos relatos de mulheres sobre suas experiências com
partos cesárea e normal em ambientes hospitalar e domiciliar.
O
filme mostra com responsabilidade a diferença existente entre cirurgias
cesarianas e partos naturais esclarecendo quando ambos são indicados,
desmitificando procedimentos e expondo a realidade da chamada indústria do
parto, cuja principal estratégia de enriquecimento está fincada na propagação
de argumentos que convençam gestantes a optar por terem seus filhos através de
intervenções cirúrgicas agendadas. Dentre os principais argumentos usados por
médicos para desestimular o parto normal estão o de que o bebê é grande ou
pequeno demais, a mãe é “gorda” ou “velha”, o feto está em sofrimento fetal ou
tem circular de cordão. Segundo o filme, tais argumentos assumem posição de
mito quando utilizados para desestimular o parto natural e promover cesarianas
desnecessárias.
O
posicionamento dos idealizadores do documentário em defesa do parto normal
transparece graças à linha adotada para conduzir o filme. Toda a primeira parte
é dedicada à cesárea, reunindo depoimentos insatisfeitos com o procedimento e
cenas de partos em centros cirúrgicos que corroboram a sensação de
estranhamento quanto ao nível de humanização do procedimento, como a sentida
pela Mariana, por exemplo, quando assistiu ao vídeo do próprio nascimento.
Quando o primeiro parto normal é mostrado no longa, a cena é de uma
naturalidade tão grande que chega a emocionar. A mulher nua mergulhada em uma
banheira, é vista de cima no exato instante em que o bebê simplesmente escorrega
para fora da barriga pela vagina mostrando o quão limpo, puro e natural pode ser
um parto que leva em consideração a fisiologia da mulher para gerar e parir um
filho. Respaldadas por especialistas reconhecidos mundialmente na área, as
informações prestadas no documentário sobre o parto normal não só surgem na
tela como uma defesa do método, mas como uma discussão preocupada com a saúde
da mulher e do bebê ao mostrar estudos e pesquisas que comprovam os benefícios
de priorizar o resgate do modo natural de dar à luz, respeitando o tempo de
gestação natural, o momento do trabalho de parto e o protagonismo da mãe ao
permitir que seu organismo se prepare no próprio tempo para terminar de gestar
o filho em seu ventre e entregá-lo à vida fora do útero.
Assim,
cabe ressaltar que não se trata de um registro audiovisual que demoniza a
intervenção médica no parto, endeusando um resgate ao modo natural de dar à
luz, mas um filme que propõe a reflexão sobre as implicações de cada tipo de
parto em defesa da humanização do nascimento. Nesse sentido, a crítica do filme
é direcionada à indústria do parto, aos casos de violência obstétrica e à
banalização da cesariana, além de levantar o debate acerca de questões médicas
como o uso da ocitocina sintética, hormônio utilizado para induzir o trabalho
de parto. Uma das falas que mais chama atenção no filme, entre os muitos
depoimentos sólidos reunidos, está a do médico francês Michel Odent, que
destaca um elemento fundamental ao momento do nascimento: o amor. Segundo
Odent, ao entrar em trabalho de parto, a mulher produz um pacote de hormônios
conhecido como “hormônios do amor”, que são feitos pelo organismo para
propiciar o momento natural de nascimento. Quando não há trabalho de parto
natural antes de uma cesárea, o organismo da mulher não produz esses hormônios,
pois ainda não há sinal de que a hora de parir esteja próxima. Para fazer a
cirurgia cesariana, a mulher recebe então uma injeção da ocitocina sintética,
que atua em substituição aos “hormônios do amor”. Diante deste cenário de
indução ao parto, uma pergunta intriga Michel Odent e paira sobre nós,
assustadora: “Qual o futuro da humanidade nascida por cirurgia cesariana, pela
ocitocina sintética?”.
Roteirizado
pela doula Érica de Paula, o documentário traz para a roda de discussão figuras
como a da obstetriz e da doula para fazer coro à necessidade de uma assistência
qualificada à realização de um parto humanizado. Doulas são especializadas em
acompanhar trabalhos de parto, incentivando a mãe à resistir às contrações e
dores e conseguir lidar da melhor forma com o funcionamento do próprio
organismo na hora de ter o bebê. São presenças que não dispensam o acompanhante
familiar, muito importante inclusive para garantir um ambiente acolhedor, mas
que conhecem todos os procedimentos de preparação natural para o nascimento,
orientando a gestante a se empoderar do processo assumindo o papel de gestora
do parto.
Já obstetrizes são profissionais com formação em saúde da mulher, obtida através do curso de Medicina com especialização em Ginecologia/Obstetrícia, Enfermagem com pós-graduação em enfermagem obstétrica ou ainda através da graduação em Obstetrícia,
oferecida no Brasil somente na Universidade de São Paulo – USP.
As parteiras tradicionais, no entanto, são citadas brevemente no documentário em um dos poucos trechos em que o filme peca ao relegar à essas mulheres detentoras de um profundo saber sobre partos, somente o papel de cumpridoras de um ofício nos locais onde a saúde pública não chega. Quando na realidade o universo das parteiras se descortina muito mais complexo e detentor de uma tradição que intriga profissionais pela sabedoria aplicada. Para conhecer mais sobre esse universo, vale ler a competente reportagem "A Floresta das Parteiras", da repórter Eliane Brum para a Revista Época em 2010.
Independente disso, “O Renascimento do Parto”, como o próprio título sugere, lança luz sobre a
necessidade da sociedade se conscientizar e sensibilizar quanto ao momento do
nascimento e à assistência adequada a cada caso. Ocorra em casa ou no hospital,
o que importa é que o momento conte com respeito, qualidade, delicadeza e
segurança para a mãe e o bebê.
PRÉ-ESTREIA COM DEBATE - A emoção de Viviane Pires ao rever o filme e em seguida participar do debate sobre parto humanizado tinha fundamento: Alice veio ao mundo na véspera do
natal de 2013 através de um parto natural humanizado, em Goiânia. E foi acompanhada das duas filhas que Viviane assistiu novamente ao filme, dessa vez em São Luís. "Eu já tinha
assistido em Goiânia quando eu estava gestante e agora com a minha filha no
colo tem um gostinho especial", contou dividindo a mesa de debate com a enfermeira obstetriz Mayara Pereira e a Profª Marly Dias (UFMA).
A
história de Viviane com o parto humanizado começou quando após ser alertada
pela observação da filha Mariana, se deu conta de que não gostaria de repetir a
experiência com a cesariana caso tivesse outros filhos. Quando em maio do ano
passado, morando com sua família em Goiânia, descobriu a gravidez de Alice, não
hesitou em procurar assistência para um parto humanizado planejado. "A primeira coisa
que me passou pela cabeça foi que a minha filha ia nascer em casa. E eu comecei
a correr atrás e eu vi o quanto é difícil porque infelizmente muitos lugares
não tem uma assistência adequada. Em Goiânia também não tem casa de parto".
Foi através do Facebook que Viviane encontrou informações
sobre humanização do nascimento e parto domiciliar. Conheceu o enfermeiro
obstetra Diego Vieira de Matos e uma equipe em Goiânia que presta assistência
às gestantes na hora do parto e planejou com eles o nascimento de Alice. Quando
a preparação já corria bem, o marido de Viviane recebeu uma proposta de
trabalho em São Luís. "Bagunçou
tudo porque eu procurava por todos os lados o parto humanizado aqui em São Luís
e não encontrava". A
solução foi retornar para o centro-oeste do país para dar à luz a Alice do modo
mais natural e humanizado possível enquanto o marido assumia o posto de
trabalho na capital maranhense. Após o parto, a família voltaria a se reunir em
São Luís. Em 21 de dezembro, Viviane teve uma ruptura alta da bolsa, no dia que
o marido chegava para acompanhar o nascimento da filha. "Eu acordei
cedo e comecei a perder líquido e aquilo pra mim foi a melhor sensação que eu
podia ter naquele momento de saber que a minha filha estava próxima de mim e
que ela ia ser aparada pelas mãos do pai". Assistida
pelo enfermeiro obstetra Diego Vieira de Matos, que a orientava e
tranquilizava, Viviane comentou que o parto não passaria do natal. E de
fato, as contrações que indicavam a entrada em trabalho de parto só
começaram no dia 24. Viviane, que nem dormira sentindo as contrações se
intensificarem, relata todo esse processo com bastante emoção por se sentir
protagonista do nascimento da filha. "Eu
me conectei com o meu corpo, com meu bebê e acredito que isso também foi
fundamental pro meu trabalho de parto evoluir bem. As contrações começaram a
vir mais ritmadas e ao longo da gestação eu me preparei muito pra vivenciar as
dores do parto e compreender que elas são uma coisa positiva, que ela vai
trazer o maior bem que uma mulher pode ter que é um filho. Então eu me
preparei, eu sentava na bola, eu relaxava". E destaca a
presença do marido e da filha durante esse momento."Meu
marido foi fundamental porque ele foi um parceirão mesmo, que teve do meu lado
o tempo todo, acompanhou todo o trabalho de parto. No total eu fiquei seis
horas em trabalho de parto ativo e meu período do expulsivo foi muito rápido.
Foi em torno de 20 a 30 minutos. Eu me desconectei de uma forma que só uma
mulher em trabalho de parto consegue se desconectar desse jeito. Eu não via
nada. A única coisa que eu conseguia me conectar era com meu bebê, meu marido e
minha filha, que também foi uma criança excepcional. Foi minha 'doulinha' como
eu gosto de falar. Esteve do meu lado o tempo todo durante o trabalho de parto
também. Minha filha Alice nasceu na água e nasceu aparada pelas mãos do
pai", conta Viviane acrescentando ainda que não precisou sofrer
intervenção alguma. "Muitas
mulheres tem aquela dúvida de 'ah mas você não teve aquele cortezinho' como
dizem e não, não tive e isso na verdade não acontece em casa. É um parto
natural e não tive laceração nenhuma, períneo íntegro e foi assim uma
experiência maravilhosa que eu acho que toda mulher deve passar porque você dar
a luz a um filho, você ver o seu filho sendo amparado de forma respeitosa, acho
que nada no mundo paga", opina.
Experiências
felizes como a do parto domiciliar de Viviane infelizmente não são maioria no
cenário obstétrico de São Luís. Quem confirma isso é a enfermeira obstetriz
Mayara Pereira, que trabalha na Maternidade de São José de Ribamar e empreende
uma jornada diária pela ampliação do espaço para o parto humanizado e o
estímulo ao parto natural.
Mayara
analisou as dificuldades observadas no contexto local para a realização do
parto humanizado em ampla escala. Durante o debate a enfermeira obstetriz
destacou a existência de uma cultura para a cesariana, com a naturalização da
intervenção cirúrgica no âmbito dos hospitais públicos e particulares de São
Luís e região metropolitana. Mayara lembrou que diante de um cenário
preocupante de partos cirúrgicos desnecessários em gestantes de baixo risco, um
movimento em prol da humanização do parto despontou há mais duas décadas
mostrando que a cesariana não era tão normal assim. E que nesse sentido era
preciso resgatar o parto mais natural, digno e respeitoso. "Porque hoje
em dia o que a gente vê realmente é uma violência obstétrica",
alertou Mayara lembrando o trecho do filme em que um médico induz uma gestante
a fazer a cesariana alegando que o bebê tem uma circular de cordão, quando esse
aspecto não justifica a realização desse tipo de parto.
Formada
em Enfermagem pela UFMA, foi ao fazer a Residência em Saúde da Mulher em Recife
- PE que Mayara conheceu a parteira tradicional Sueli Carvalho e se encantou
pelo conhecimento oriundo da tradição das parteiras. "Por
isso que além de enfermeira obstetra eu me intitulo como aprendiz da tradição
das parteiras, porque eu tive esse privilégio de perceber realmente que o parto
não precisava ser que nem eu via nas maternidades, que poderia ser totalmente
diferente e a Suely já tem também a sua carreira, a sua trajetória bem sólida
que é em Recife. E quando a gente retornou, a gente tinha essa pretensão de
formar um grupo, de esclarecer as mulheres, de dar oportunidade delas
entenderem o que elas eram capazes e se elas optassem por um parto normal que
assim fosse", afirmou Mayara.
Acreditando
que a mudança na realidade obstétrica que privilegia a cesariana e desestimula
o parto normal deve partir da sociedade, Mayara e a enfermeira de
semelhante formação Danielle Lima formaram um grupo chamado Plenamente
Grávidos, formado por casais que querem ter parto normal. O grupo gratuito se
reúne quinzenalmente há dois anos e consiste na troca de experiências,
orientações e preparação para o parto natural. Mayara e Danielle também
acompanham as gestantes de baixo risco em trabalho de parto em casa até o
momento de encaminhá-las ao hospital para o nascimento do bebê. A realização de
um parto domiciliar ainda não foi possível porque requer uma rede estruturada
com assistência multiprofissional para garantir segurança à mãe e ao bebê, o
que ainda não existe por aqui. Nesse sentido, Mayara destacou a existência de
um plano de parto que prevê desde a preparação da gestante até o encaminhamento
adequado ao local estruturado para a realização do parto, que no contexto local
ainda é o ambiente hospitalar.
Completando
o trio de debatedoras a Profª Marly Dias (UFMA), do grupo de pesquisa
sobre Gênero, Geração, Mulheres e Feminismo, trouxe para a conversa o olhar das
lutas das mulheres para a ampliação dos direitos sociais. A professora lembrou
os altos índices de mulheres desrespeitadas, maltratadas, violentadas e
assassinadas mundialmente para enfatizar a necessidade de intensificar a luta
pela implementação efetiva de políticas que alcancem todas as mulheres
considerando a sua integralidade, do nascimento à velhice e não só no período
gravídico. Marly comentou o quadro da saúde pública brasileira e criticou o
movimento de desconstrução do Sistema Único de Saúde em função do crescimento
da assistência suplementar via planos de saúde. A partir dessa
contextualização, a professora pode analisar a adoção das cirurgias cesarianas
em detrimento dos partos normais. "Dentro
do sistema de saúde suplementar via plano de saúde, onde há na verdade toda uma
prerrogativa de agendamento de comodidade que vão na verdade na lógica
mercadológica desse parto cesariana e acho que isso é algo que a gente tem que
refletir, tem que discutir, mas sobretudo temos que lutar amplamente pra
fortalecer esse Sistema Único de Saúde que nós temos aí pra que ele continue
público, pra que ele continue universal, pra que ele possa de certa forma
adequar-se à humanização tão desejada por todos nós e pouco vivenciada no
âmbito da saúde e assim vivenciada não por conta dos profissionais que são mal
intencionados e estão ali, mas por conta das próprias mesmas condições de
trabalho que se tem ali, das metas produtivistas que são impostas",
ponderou considerando a ausência de uma estrutura qualificada para o parto
humanizado.
Marly
destacou ainda a presença masculina no processo, defendendo a participação dos
companheiros durante toda a gestação, informando-se sobre o processo e apoiando
a mulher no momento do parto. Lembrou da lei do acompanhante que mesmo em vigor
no Brasil não tem sido respeitada com a imposição de critérios não exatamente
descritos na lei. "O
critério que ela impõe é que tenha um acompanhante que seja preferencial e que
realmente possa dar o conforto, a atenção necessária àquela gestante dentro
daquele momento que é um momento delicado, complexo que é o trabalho de parto e
muitas vezes o que a gente vê são restrições impostas a figura masculina dentro
desse processo do pré natal, do parto e do pós parto. Isso de certa forma leva
uma sobrecarga a essa mulher, ao fazer com que ela sozinha acumule todas as
tensões, todas as dores e viva sozinha todas as emoções também. Então eu acho
que uma outra questão que a gente precisa também avançar é nessa, criar
condições que realmente tragam esse homem pra perto dessa mulher, que tragam
esse homem pra perto desse parto, pra perto desse momento que é o momento tão
grandioso, do nascimento de um novo ser",
afirmou a professora, ressaltando também a necessidade da sociedade se
organizar de modo que não permita o esvaziamento da política
nacional de atenção integral à saúde da mulher, criada em 1983 e transformada
em política em 2003. "Ela traz um rol de
competências, obrigações e deveres com a mulher durante todo o seu ciclo vital
e é preciso que a gente na verdade faça jus pra que essa política não suma do
nosso Brasil, porque o que nós temos visto hoje é uma série de medidas que estão
sendo instituídas ai Brasil a fora e que de certa forma pra nós que trabalhamos
com questões políticas elas significam um retrocesso e aí a gente fala da
Lei do Nascituro, desse cadastro que vem sendo instituído que dá uma
bonificação a essa mulher pra que ela tenha 50 reais pra que ela faça
deslocamento e a gente vê que aí claramente embutida tá também uma questão de
desresponsabilização do Estado. Saúde é um bem de todos e é dever do Estado,
mas a gente vê que por trás dessas 'novas medidas' há uma clara intenção da
desresponsabilização desse estado pra com esse bem maior que é a saúde pública
no Brasil", conclui.
O
debate, mediado por Aline Acazoubelo, percorreu ainda outros assuntos afins à
problemática da violência obstétrica abordada no filme "O Renascimento do
Parto" como a violência institucional praticada nos hospitais contra as
gestantes. O público interagiu com as debatedoras fazendo perguntas sobre o
cenário local e compartilhando experiências.
Quanto
à realização da sessão especial do documentário com a exibição seguida de debate com profissionais e o relato de uma mãe, Ensaios em Foco conversou
com Aline Acazoubelo, estudante de Jornalismo da UFMA
e estudiosa do parto humanizado.
1) Qual
o sentido de promover o debate sobre parto humanizado em São Luís?
A.A.: A ideia do debate não
foi minha. Agora a ideia de trazer o filme, mostrar como essa 'regra' da
cesárea e da episiotomia estão erradas, e como nós mulheres somos violentadas até
quando pensamos que não, foi. O Raffaele [Petrini,
administrador do Cine Praia Grande] que deu a ideia de promover o debate
para esclarecer ainda mais as pessoas presentes, pois o filme traz uma carga de
informações que quem não estuda o tema fica um pouco lento para absorver. Eu
topei a ideia e pedi uma ajuda pra duas amigas, e aí começou o trabalho de
formiguinha que quando vi já tinha muita gente empoderada junta. O evento só
aconteceu porque existem pessoas disponíveis para compartilhar seu conhecimento
com outras pessoas. Esse tema sempre acaba juntando mais e mais pessoas, porque
sabemos que sem o apoio de desconhecidos nunca iremos alcançar a população.
2) Quais
os aspectos que dificultam o acesso ao parto humanizado?
A.A.: Caramba,
são muitos aspectos. Posso tentar enumerar alguns, mas como dito no filme
"não existe um vilão e um mocinho na história. O que há são interesses que
se entrelaçam". Primeiro de tudo as mulheres aprendem que parir dói.
Tudo ligado a sexualidade feminina é ligado a dor e ao desconforto. Segundo que
o parto normal hospitalar é um verdadeiro pesadelo pra qualquer ser vivo do
universo. Terceiro que a maioria dos médicos aprendeu a conduzir daquele jeito
e assim acredita que essa é a forma que deve ser até o fim dos tempos. Quarto
que não há interesse em informar a população. Não é economicamente viável fazer
as mulheres parirem naturalmente. Quinto que a maioria das pessoas não acredita
no parto humanizado, pois o médico já disse que o bebê tá correndo perigo com o
cordão no pescoço. Quem somos nós para dizer que o médico tá
equivocado? Posso passar o dia falando outros aspectos, mas eu acho que
além da frase já citada existe outra que resume ainda melhor "O parto está
ligado a falta de controle. O ser humano não gosta de coisas que lhes falte o
controle. O parto é assim e ainda liga os três maiores tabus do mundo: vida,
morte e sexualidade".
3) Como
você acredita que é possível ampliar o debate sobre o assunto?
A.A.: Pra
mim, é preciso que primeiramente esse filme chegue a todas as mulheres do
Brasil. Segundo que chegue a cada sala de aula, a cada curso técnico, a cada
universidade ou faculdade para que se debata o assunto desde sempre. Desde a
escola até a nossa formação. O debate só vai 'engrossar' quando os nossos profissionais
entrarem em contato com o outro lado, o lado da fragilidade, o lado do bebê, o
lado de quem mais sofre. Só vamos conseguir que esse assunto seja debatido
grandiosamente quando pararmos de ver as mulheres como sexo frágil, como
incapazes, como meros úteros e olharmos que toda relação deve ter respeito e
compreensão. Só assim vamos perceber que não é só estar "saudável"
fisicamente, mas estar bem psicologicamente. Que não adianta arrancar o bebê de
uma barriga se não tiver braços e afeto para o acolher.
PARA SABER MAIS:
Reportagem da A. Pública - Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo sobre violência obstétrica:
- Na hora de fazer não gritou.
Reportagem da A. Pública - Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo sobre violência obstétrica:
- Na hora de fazer não gritou.
Documentários sobre Violência Obstétrica:
Artigo de Eliane Brum sobre o livro "Parto com Amor":
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