Entrevista com a banda Dolores 602


NOTA: Diante da tragédia recente que devastou o distrito de Bento Rodrigues e região em Mariana-MG, fica difícil não pensar imediatamente no desastre ambiental e em todas as suas implicações à simples menção do estado de Minas Gerais. Pouco antes do estado mineiro ser levado aos jornais por tão triste e terrível notícia, escrevi a matéria abaixo na qual entrevistei uma banda desse estado tão bonito e inspirador. Escolho manter o texto original não por desconexão com a realidade, mas por desejar firmemente que ao pensarmos em Minas Gerais sua riqueza cultural e sua gente criativa possam voltar a nos vir  à mente em primeiro lugar. Por ora, nossos pensamentos clamam por justiça, força e esperança. Aos nossos sentidos, um pouco de música.
__________________________________

Menos dor, mais Dolores!

Quando penso em Minas Gerais não costumo titubear. É que me vem logo à mente a poesia e musicalidade do Clube da Esquina, a perspicácia do Pato Fu, a lembrança do queijo maravilhoso e o desejo imenso de trocar um cadim da brisa litorânea por ares de montanha. Isso para citar de supetão só as referências mais óbvias. Aquelas que me ocorrem à simples menção do estado mineiro.  

Eis que agora, posso tirar uma carta da manga quando suspirarem Minas Gerais perto de mim. “Dolores 602!”, direi triunfante. E no instante seguinte meu interlocutor será convidado a ouvir do que se trata nos meus fones de ouvido. Ou num link do Youtube.

Banda formada em 2010 pelas compositoras e instrumentistas Débora Ventura (voz e violão), Camila Menezes (baixo), Táskia Ferraz (guitarra) e Isabella Figueira (bateria), a Dolores 602 tem sotaque mineiro, mas sopra seu canto para além das montanhas do sudeste brasileiro. Tanto que seu som me alcançou cá no nordeste, na ilha de São Luís-MA. E nesse sentido, é preciso admitir: que som contagiante, uai!

Da direita para a esquerda:
Dolores 602 é 
Camila Menezes, Táskia Ferraz, Débora Ventura e Isabella Figueira.
(Foto: Felipe Messias)
Para começo de conversa, você precisa saber que as moças da Dolores 602 transitam da guitarra e bateria pulsante do rock à suavidade de um ukulele com desenvoltura. A vocalista Débora Ventura tem voz de abraço, que pode até evocar em certos momentos Fernanda Takai, em outros Estrela Ruiz e até mesmo Vanessa Krongold da ótima Ludov. Mas não se enganem, nobres ouvintes, Ventura tem uma voz própria que se sobressai com ótima afinação e um timbre muito bonito. Na companhia de três instrumentistas competentes, que tem parte importante na formação do repertório, pois são também compositoras, tem-se uma banda completa. 

Na entrevista abaixo, Dolores 602 fala de sua formação musical, influências, inspirações e proposta poética, manifestada no clipe da canção Petit a Petit (lançado no segundo semestre deste ano) que convida a repensar o tempo dedicado a cada coisa na vida.

Capa do EP Dolores 602 (2014)
1. No EP Dolores 602 lançado em 2014 o repertório passeia com delicadeza por temas como o amor, as relações humanas e as interações com o mundo exterior. Fica perceptível que vocês se interessam por sensações, associações com cores e observações do cotidiano. Como nasce essa inspiração e como funciona a criação na banda?

Táskia: Bem, ainda não descobri como nasce a inspiração, rsrs, cada uma tem uma forma diferente de compor na banda. Eu consigo compor melhor em dupla, costumo compor com um amigo. Já a criação na banda é feita de formas variadas. Em geral, a gente tenta fazer os arranjos juntas.

Débora: Para mim, a inspiração pode estar em toda parte, mas é preciso estar atento e no modo sensível para fazer as coisas virarem música. Na banda, até então, uma de nós chega com uma letra + melodia e fazemos todos os arranjos juntas.

Camila: No meu modo de ver, o artista é capaz de criar a partir de sua construção pessoal na vida. São temas, imagens, valores e até posicionamentos políticos que o interessam que vão, de um jeito ou de outro, aparecer na sua criação artística. Para a banda, já compus de forma direcionada (“vou compor um rock mais yeah yeah yeah” ou “quero compor uma música que fale da noite como personagem principal e que a Dolores 602 seja a trilha sonora pra esse passeio da personagem ‘noite’”). Em outros momentos, compus porque estava muito feliz e a música veio, como em “Deusa do Som”. Em outro ainda, foi uma imagem da lua cheia nascendo, vista pela janela que me fez pegar o violão e deixar as ideias fluírem para nascer “AzulAmarelo”. 

2. Gostaria que comentassem sobre a formação da Dolores 602, a escolha do nome da banda e sobre o momento atual, de lançamento do Petit a Petit, que é uma canção-convite a repensar nossa percepção de tempo e apreciação de cada momento. 


Débora: A banda foi formada no final de 2010. Eu e Taskinha já tocávamos juntas pelos bares de BH. Camila e Bella buscavam uma vocalista para um novo projeto. Por força do destino fomos apresentadas por uma amiga em comum. Tivemos uma sintonia musical muito forte logo de cara.

Camila: O nome da banda foi muito difícil de escolher, como sempre é, imagino. Nunca revelamos o significado do nome, mas inventamos versões para ele (risos). Dolores já foi artista circense, cantora de boleia de caminhão, pesquisadora, nome de rua... Interessante perceber que Dolores, nas nossas narrativas, sempre se refere a uma grande mulher, porém anônima, como tantas outras mulheres na história da humanidade masculinista. 

Débora: O momento atual da banda casa com o convite de Petit a Petit, de perceber o tempo em que estamos, viver o hoje devagar. Estamos buscando entender melhor os nossos processos e seguimos traçando planos para o próximo disco e para cair nessa “longa estrada” em busca de novas experiências e maior divulgação do nosso trabalho.

3. Ao atuar dentro do campo que as interessam pelos meios em que acreditam vocês representam um gesto de empoderamento feminino. A baixista Camila Menezes estuda as questões de gênero sob a luz da Psicologia, enquanto a baterista Isabella Figueira convive com um ambiente masculino na escola de música em que frequenta, sendo a única mulher em sua turma. Todas vocês tem alguma experiência marcante relacionada à inserção da mulher em um cenário convencionado aos homens? Comentem sobre o assunto.

Débora: Já participei de outros dois grupos antes da Dolores. Coincidentemente ambos eram formados apenas por mulheres. Entretanto, acho que o meio musical ainda está bastante convencionado aos homens. Instrumentistas, operadores de som, produtores musicais... Ainda é discrepante a quantidade de homens X mulheres. Ficamos na torcida e incentivo para que cada vez mais mulheres possam fazer parte desse cenário.

Camila: Vemos atualmente um número um pouco maior de bandas compostas apenas por mulheres. Isso quer dizer que levará um tempo para que haja uma quantidade expressiva de produtoras musicais no cenário pop. Gostaria de chamar a atenção para o campo da produção musical porque ele envolve criação e liderança, posições tradicionalmente incentivadas aos homens. Na música erudita vemos algumas mulheres dirigindo espetáculos, peças... Dirigindo palcos e espetáculos temos algumas mulheres maravilhosas, como a carioca Bia Paes Leme e as mineiras Neide Ziviane, Bia Nogueira e Marina Viana. Mas a música ainda é um campo que precisa investir nas mulheres desde meninas, para que elas possam se imaginar artistas como uma possibilidade de futuro profissional, ou seja, para que haja uma formação artística para além da intérprete, mas também no sentido da criação e da liderança de forma natural, como ocorre com os meninos. 

Táskia: A única experiência desse tipo que tenho é com a banda mesmo. É diferente quando a banda é toda de mulher. Muitos técnicos de som não dão moral, às vezes até fica difícil trabalhar, porque você pede para regular a voz, ou o retorno de som e eles praticamente te ignoram, por achar que mulher não deveria ocupar esse lugar.

4. Ainda no contexto da questão anterior, gostaria que vocês comentassem sobre o posicionamento da banda em relação às mensagens e reflexões que a imagem e o som produzido por vocês podem suscitar. Há uma busca em comunicar algum posicionamento específico ou depende do momento criativo, do que as motivam a compor? 

(Divulgação)
Débora: As músicas tem sido fruto de sensações e experiências individuais que são trazidas ao grupo. Até então não houve um posicionamento específico, mas nas letras e sonoridade buscamos por leveza, otimismo, cores, humor, enfim... Coisas boas para serem compartilhadas :) 

Através da nossa imagem (4 mulheres no palco), apostamos na reflexão e incentivo para que mais mulheres ocupem esse espaço musical, compondo, tocando, produzindo.

Táskia: Não busco nenhum posicionamento, nem passar nenhuma mensagem específica. O que me motiva compor é o momento vivido, muito particular, mas que quando vira música pode ser interpretado de várias formas. Cada um escolhe aquela com a qual mais se identifica.

Camila: Quando componho, é porque estou tomada de uma sensação, de certo modo, extasiante. Pode ser que queira passar uma mensagem, sim. Em outros momentos, apenas descrever essa sensação de beleza. A Dolores 602 tem feito um som que busca produzir uma sensação boa, tanto em nós quanto no público, e, para que isso aconteça, não há como falar de coisas negativas e sem solução, sobre um mundo sombrio. Gostamos de algo que nos dê energia.

5. Dolores 602 conquistou o 2º lugar no Prêmio de Música das Minas Gerais em 2014. Como é o cenário mineiro para a música independente? Há fomento, festivais e espaços? E como tem sido a trajetória de ocupação desses espaços pela banda?

Isabella: Para bandas independentes que estão começando a entrar no circuito agora, é muita ralação. A gente se inscreve em muitos editais, muitas tentativas para conseguir vez ou outra alguma coisa. Na nossa trajetória participamos de alguns festivais e prêmios de música, e a receptividade do público tem sido muito boa. Conseguimos alguns prêmios que ajudaram bastante na realização de nossos projetos musicais. Mas percebemos que quem movimenta a cena mesmo por aqui são os coletivos de artistas que se juntam para conseguir somar esforços e construir projetos maiores. Não conseguimos integrar um coletivo ainda, mas a cada trabalho que fazemos vamos agregando pessoas super talentosas que toparam arriscar com a gente, mesmo com pouca grana, como foi o caso do clipe. O processo foi muito colaborativo. Para começar a grana foi levantada numa festa junina que organizamos com esse fim...todos os artistas toparam tocar de graça, nossas famílias se envolveram...fizemos corres com várias amizades..até palco conseguimos emprestado..haha. tipo isso, na raça.

(Divulgação)

6. Por fim, quais são suas principais referências artísticas? Podem citar também parceiros e artistas que vocês admiram no cenário local e nacional.

Cada membro da banda tem suas referências, o que diversifica as possibilidades sonoras de criação, tanto de letra e melodia, quanto de arranjo. Além das referências musicais, como Rita Lee, Caetano, Radiohead, Coldplay, Jorge Drexler, Pepeu Gomes, nos inspiramos em filmes, cores, sensações e até mesmo um nascer da lua visto de forma inesperada. 

Aqui em Belo Horizonte muitos artistas vêm produzindo um som muito interessante. Dentre eles, curtimos muito os contemporâneos “Graveola e o Lixo Polifônico”, “Di Souza”, “Gustavito” e os stars “Pato Fu” e “Skank”.

____________________________

Próximos shows:
12/12 – Dolores 602 + Carmen Fem 
Local: A Obra/ BH-MG

Contato: 
www.dolores602.com.br
dolores602@gmail.com
facebook.com/dolores602
(31) 98794-3940

Comentários

Renata Teixeira disse…
Talita, eu sou gorda, então tenho pensamento de gordo! Quando penso em Minas Gerais penso em pão de queijo e doce de leite!!!
"que som contagiante, uai!" ai que doçura de ouvir!!! Tá, de ler por enquanto, mas minha imaginação fértil, me fez sim, "ouvir" sua exclamação!!!
Uma das coisas que eu tenho mais dificuldade nessa vida é viver o hoje devagar. Me atropelo, meto os pés pelas mãos por uma impaciência, uma urgência que nenhuma terapia resolveu ainda...
Ahahaha, vendo a agenda do próximo show das meninas deu até saudade das viradas de noite lá no A Obra! E depois caminhar até o La Greppia para comer massa como saideira! Bons anos!!!
Hahaha! A gastronomia mineira é um deleite a parte mesmo.
Pois então, vou dar uma ajudinha pra tua imaginação sonora: no link a seguir dá pra ouvir minha voz de criança falando um pouco sobre literatura, jornalismo e Vila Tulipa http://www.radiotimbira.ma.gov.br/9a-feira-do-livro-de-sao-luis-2/ ;)
Eu já fico angustiada é com a pressa do mundo. Só funciono no meu tempo interno de elaborar as coisas e aí a terapia já me ajudou muito nisso de dialogar com o tempo de cada coisa.
Abraço grande, Renata!

Postagens mais visitadas